É sempre outono na migração

Dia 4 de junho fez 15 anos que estou na Europa. Migrar me fez escrever sobre migração. Como tenho olhos latinoamericanos, escrevo sobre suas formas de resiliência, resistência, desconstrução e (in)justiça social.
Aqui deixo um texto do meu novo livro “É sempre outono na migração”.
No livro há 26 poesias, 14 inéditas e 12 publicadas no jardimmigrante.wordpress.com ou em antologias.
Esta é uma publicação autônoma, se desejar adquirí-la, por gentileza, contacte-me: livroflordelinz (at) gmail (.) com
É sempre outono Tâmera
Foto de Tâmara, primavera berlinense 2019
É sempre outono na migração
Primeira folha
Após 15 outonos, seria um exercício desafiador priorizar os espaços daquelas duas malas, que me acompanharam na travessia esverdiada do além-mar. Já no coração se encaixam mundos outrora inimagináveis. Aquelas malas, agora a mim incorporadas, induzem pessoas a me perguntarem “de onde eu venho”, mesmo eu estando em casa. Os caminhos que não nos ensinaram a andar são os que tentam-nos impor limites.
Depois de tantos outonos, o país natal e o residente tornam-se territórios imaginários de alquimia, campos de nostalgia e ousadia, onde o lar doce lar é sempre agridoce. O sal da praia, trazido na pele, ainda derrete o gelo do ano todo, mas já não tenho os vestidos que ainda me vestem, e a firmeza do “até mais ver” ecoa lentamente como um “adeus” no sotaque translinguístico.
De outono a outono, as leis do país residente tentam forçosamente dançar o tango da migração, mas conseguem, no máximo, saltitar uma coreografia básica de aeróbica. O julgamento de línguas, que desconhecem a minha, só amplia o meu discurso, e a água da torneira só aumenta a minha sede.
Assim, passados tantos outonos, o barulho do vento em quaisquer estações não é mais ameaçador, senão motivador, pois na migração é sempre outono: preparação para o inverno, todavia sempre à espera da primavera.
Saudações outonais,
Danielli

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