Flores migratórias por Gil Kelmer

Copiei este texto do blog do meu amigo Gil Klemer. Eu já tinha escrito sobre este texto aqui e pensei que já tivesse também copiado o texto dele para publicar por aqui, mas eu ainda não o tinha feito. Então, aqui estão as palavras tão generosas de Gil para o meu Florzinho. Muito obrigada, Gil! ❤

 

Flores migratórias

April 5, 2017

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Gil Kelmer

A primavera começou no hemisfério norte faz poucas semanas. É muito legal ver Viena se transformar assim, súbita e serenamente. Essa coisa de estações bem definidas funciona mesmo por aqui. E como isso influencia as idas e vindas do nosso humor.

O azul do céu agora reflete o estado de espírito das pessoas. A temperatura eleva o astral e, por ruas e parques, otimismo cresce feito mato. Pode-se notar poesia brotando em cada cantinho da cidade, basta estar atento.

Foto: unsplash.com/@karencantuq

 

Essa é apenas a minha segunda primavera por aqui. Mas já deu tempo de ver tanta novidade que não caberia num livro, exceto por uma que acabei de conhecer. Seu nome é Danielli Cavalcanti, uma novidade que já chegou com livro escrito.

Danielli é flor migratória. Uma espécie que parece ter aprendido a fazer dos espinhos e do solo frio suas inspirações para elegantemente espetar mãos indelicadas. Uma flor que migrou para Áustria há mais de dez anos e agora nos conta como até os jardins mais bonitos podem ser hostis a flores de outras terras.

Eu e Danielli nos conhecemos por causa de um texto que publiquei aqui, o texto de inauguração do site. É impressionante como a natureza da vida é nos responder com positividade quando agimos com o coração. O SoulBeta nasceu para ser minha válvula coronária de escape e, logo na primeira semana, já me rendeu encontros cheios de significado.

Hoje, Danielli mora na Dinamarca. Veio recentemente a Viena para lançar a segunda edição do “Flor de Linz”, seu primeiro livro. Essa nova edição vem com tradução para o alemão, algo que talvez comprometa um pouco o romantismo mas, certamente, amplifica a força crítica e política das histórias vividas por cada personagem.

Flor de Linz. 3. Edição em Português (coloquei a capa da versão atual do livro, no post de Gil está a da primeira versão)

Flor de Linz é o nome de um café na cidade de Linz (Lints, na pronúncia alemã), uma cidade às margens do Danúbio, a menos de 200 quilômetros de Viena. O título do livro é também nome desse empreendimento lírico, um simpático e agradável café, aberto na imaginação da autora para ser o espaço onde muitas personagens chegam carregadas de histórias.

A dona do café está sempre pronta para ouvir e, justamente por isso, o estabelecimento vive cheio de gente prosa e seus versos. A maioria das histórias se passa ali mesmo, em Linz. E são todas histórias de flores como Danielli, flores que migraram. Umas por necessidade, outras pelo simples desejo de mudar e outras por desejo e necessidade – as que mudam por amor.

Nessas histórias, por vezes Danielli leva sua memória de volta ao Brasil, passeia por Viena e nos conduz a momentos vividos por personagens que nunca saberemos se, de fato, existiram ou são relatos de experiências da própria autora. Melhor não sabermos. Certamente, a imaginação é mais encantadora que a certeza.

Danielli me convidou para o evento de lançamento. Lá, teve leitura de trechos do livro, teve cafezinho e bolo feito por mãos brasileiras, teve música brasileira ao vivo, teve gente emocionada, teve choro contido e teve a própria autora perdendo a voz em alguns capítulos. É que o Flor (como ela carinhosamente o chama) também conta tragédias, fala de saudades, de amores, de sonhos e memórias que inundam a gente com emoção sincera.

Eu e a Danielli no lançamento, em Vienna. A gente esqueceu de segurar o livro pra foto.

Histórias de migração podem esbanjar vida e tenacidade, como podem ser refúgio de ideais de vida esmigalhados pelas incertezas da luta pela sobrevivência. Há quem migre com destino certo e há quem migre para mudar o próprio destino. De todo modo, cada faceta da migração é carregada de emoção. E é sob várias dessas possibilidades que Danielli nos presenteia com seus textos.

Em todos as vezes que conversei com ela, fosse em rede social, no evento, no pós-evento, o que mais me impressionou foi a exuberante simplicidade de cada contato. Seu livro me causa essa mesma sensação. Pra mim, essa é a principal característica das coisas feitas com alma. Não precisa muita explicação, porque quando há amor e verdade por trás, as almas se conversam e se entendem. Não precisa nem de propaganda, a coisa se espalha feito flor em primavera.

 “Danúbio.” O Rio que corta Linz, Viena e tantas outras cidades virou poesia.

Gosto de pessoas que conhecem o valor de cada palavra e sabem bem como esses valores mudam quando as combinamos com pessoas. Danielli se mostra conhecedora de ambas – palavras e pessoas. Provavelmente, porque sua alma viveu desafios em diferentes idiomas, terras e estações.

Antes de publicar este post, enviei uma única pergunta para ela no intuito de escrever um pouco sobre sua forma de pensar.  Fiquei torcendo para que ela não se excedesse na resposta para não aumentar muito o tamanho do post.

Perguntei “Dani (agora, já mais íntimo), na sua opinião, o que nos faz mudar e, quando mudamos, o que nos faz mudar para melhor?” A resposta, obviamente, veio como sempre: simples e complexa, feito beleza de flor.

– Tenhamos menos certezas, culpas e julgamentos, começando por nós mesmos.

Flor de Linz pode ser encontrado diretamente com a autora, ainda na “Alex Buchhandlung”, em Linz, e na “A Livraria”, em Berlim.

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